O túmulo de Vênus
No dia seguinte, Cristão Rosacruz desce para as catacumbas profundas do castelo, isto é, para seu eu mais profundo, até seu princípio de vida original. Lá, ele encontra o túmulo de Vênus. Acima da porta, estão as estranhas palavras: Aqui jaz sepultada Vênus, a bela dama que arruinou fortuna, honra, felicidade e bem-estar de muitos grandes homens.
Vênus é o amor divino que tudo gera e mantém, mas também destrói e dissolve, para conduzir tudo a um novo começo. Se não for reconhecida e buscada no íntimo do ser, ela se torna causa de sofrimento e amargura sem fim. Muitas vezes buscamos a perfeição e a realização – o amor verdadeiro – nos entes queridos. Mas, na melhor das hipóteses, o amor exterior apenas consegue ser uma imagem espelhada do amor divino. Geralmente, ele é motivo de grande sofrimento pelo erro que os buscadores cometem ao idealizarem as pessoas e buscarem nelas a perfeição. O verdadeiro amor só entra em cena quando nos voltamos para a cura de nosso microcosmo. CRC, que encontra o túmulo de Vênus nas catacumbas profundas, floresceu interiormente para essa percepção. Ele sabe que a essência do amor é o despertar do homem divino interior. Somente agora ele pode começar o verdadeiro trabalho alquímico em seu próprio ser. É através desse trabalho que Vênus, oculta e enterrada dentro dele, torna-se viva, como uma fonte inesgotável de vida e amor.
O que CRC vivenciou até agora? Em princípio, ele deixou para trás sua antiga vida, com seus laços e forças; ele se preparou adequadamente para viver de forças novas e não dualistas. Depois de ter sido autorizado a perceber em seu íntimo as fontes de sua consciência, ele concordou em dissolvê-las, de tal modo que uma consciência de alma espiritual e liberta pudesse surgir a partir delas. Com isso, a experiência cármica será suspensa e os princípios do Espírito Divino e da alma imortal passarão a conduzi-lo. Ele quer servir a esses princípios para, assim, ser capaz de acabar com tudo o que é antigo. Nesse momento, quando encontra Vênus em seu ser mais profundo, ele vê através de todas as decepções do amor (assim como a decepção de ser bom e atencioso) e está pronto para seguir o amor divino acima de tudo. Cabeça e coração já estão completamente dedicados ao processo alquímico.
A torre do Olimpo
Após essa preparação, CRC, juntamente com os outros candidatos, atravessa o mar para chegar à ilha onde fica a Torre do Olimpo. Esse é o local do verdadeiro trabalho de transfiguração. O mar simboliza o círculo da eternidade no qual o candidato pode entrar após sua completa rendição. A Torre do Olimpo – sendo o local de uma criação divina – tem sete andares que correspondem aos sete aspectos do nosso ser: corpo material, corpo etérico, corpo astral, corpo mental e o eu divino tríplice que ainda está latente em nós (Manas: a mente superior e abstrata; Buddhi: a alma-espírito; e Atman: o homem-espírito).
De baixo para cima, CRC e os outros candidatos procuram purificar e transformar sua própria essência sob a orientação do Ancião (o princípio divino presente no ser humano). Tudo começa no corpo material, que foi previamente preparado para o processo a partir do servir, do silenciar e do perseverar no não-ser. Na narrativa, todos os tipos de ervas e outras substâncias são purificadas pelos candidatos. Nesse momento, eles podem subir para o andar de cima, que é o do corpo etérico.
Esse processo de ascensão gradual da consciência (a ação consciente que vai da matéria densa para o corpo sutil e para o eu) só é possível quando o trabalho preparatório tiver sido concluído em cada andar. No caso do corpo material, é o serviço altruísta que se torna um estado de ser verdadeiro.
O casamento alquímico nos diz que os candidatos estão orando – no nível de corpo etérico. Nesse contexto, agir é conectar-se clara e conscientemente com o original, com o campo eterno da criação. Os éteres vivificantes desse campo fluem para a sala, como indica a imagem de uma fonte que começa a fluir. Os velhos princípios da consciência “morta” são trazidos para a sala – eles são dissolvidos e sua forma finalmente se esvai. A velha vida foi encerrada.
A partir de então os candidatos podem subir ao próximo nível: o do corpo astral. As forças da consciência, já dissolvidas, são trazidas para uma esfera dourada e penduradas no centro da sala. Suas paredes externas são projetadas de maneira que janelas e espelhos se alternam.
A luz do sol, que brilha através de uma janela, é refletida e multiplicada por todos os espelhos. Um intenso feixe de luz parte de todas as direções e foca-se, então, no centro da esfera, fazendo com que ela brilhe. Depois do processo de dissolução que ocorreu no corpo etérico, agora as substâncias estão congeladas em uma nova criação. Os candidatos se abriram sem reservas ao amor divino, que agora pode encher todo o seu ser como uma luz avassaladora. Agora que o egocentrismo foi superado, o corpo astral é recriado. Quando a esfera dourada esfria, é cortada ao meio pelos candidatos com o auxílio de um diamante. Dentro dessa esfera dourada, eles encontram um ovo impecavelmente branco. O novo homem nasceu e agora ele tem que provar e se manifestar nos níveis mais elevados. O ovo é trazido para fora e os candidatos continuam subindo.
O pássaro-alma
No andar seguinte, o corpo mental (um pássaro, a alma renascida) desliza para fora do ovo, para grande alegria de todos. Vocês podem pensar que o processo chegou ao fim. A alma agora pode conduzir conscientemente sua vida, pois está de posse de toda a experiência do microcosmo. O pensamento do homem está agora firmemente estabelecido no campo divino da criação, assim como os elementos “inferiores” do ser. Ele é nutrido por esse campo. Isso significa que o corpo mental também foi transformado, transfigurado.
Depois disso, nos três andares seguintes da torre, começa o desenvolvimento dos três aspectos superiores do ser humano: Manas, Buddhi e Atman. O pássaro-alma se sacrifica e se transforma, e, no final, vem a revivificação de um jovem casal real. Imagens estranhas descrevem esse processo interno. O fato de o casal estar no final do caminho tem um significado claro: o candidato libertou-se das garras da matéria, da identificação com o corpo material. Sendo homem-mulher, andrógino em si mesmo, ele/ela se torna um ser autocriativo novamente.
Cristão Rosacruz, que foi chamado e convidado a participar nesse casamento, provou ser um colaborador significativo. Ele reconheceu seu ego e o silenciou; ele perseverou no não-ser e provou seu servir. Ele descobriu a si mesmo e se superou a cada passo. A pessoa que iniciou o caminho, no entanto, não é a mesma que chega ao fim. No caminho da transfiguração, o convidado e a testemunha serão conduzidos a uma nova unidade superior.
Para saber mais:
Jan van Rickenborgh: As Núpcias Alquimicas de Christian Rosenkreuz, Volumes I e II, Lectorium Rosicrucianum, São Paulo, 1993 e 1996.