No texto anterior, O limite da consciência humana, começamos a expor as correlações existentes entre as fases da alquimia e as quatro principais personagens dos evangelhos (Herodes, João Batista, Jesus e o Cristo), e seus equivalentes egípcios (Ptha, Ramsés, Osíris e Hórus). Vimos que o processo alquímico se inicia com o nascimento da luz em Herodes (ou Ptha) e seu desenvolvimento até o limite humano em João (ou Ramsés). Veremos agora o desdobrar do processo com Jesus (ou Osíris) e seu coroamento com Cristo (ou Hórus)
Jesus e Osíris: a consciência espiritual
No simbolismo interior, ou esotérico, João e Jesus não são necessariamente primos. Na verdade, eles são irmãos, ou quase gêmeos, por isso nascem na mesma época e a narrativa do nascimento é a mesma.
Tanto Zacarias e Isabel como José e Maria representam a cabeça e o coração do ser humano em aspectos diferentes. Para que João, a consciência plenamente humana, nasça, é necessário que também nasça nessa própria consciência um princípio de outra ordem, que é o lado divino de João, que ele não vê ainda, pois está além do seu eu, além da fronteira do Jordão. Esse outro princípio é Jesus.
É por isso que eles se encontram, um vindo de uma margem, o outro, da outra margem. É por isso que existe a travessia do Mar Vermelho, o mundo dos vivos e dos mortos no Nilo, a grande busca pelo que havia além de Finisterre, no Caminho de Santiago… Quando o princípio universal, a centelha do espírito, a flor de Lótus – tantos nomes foram dados para isso -, quando essa semente se torna ativa e germina, a consciência joanina passa a buscar o caminho da transcendência, a superação do limite, até que a encontre. E quando encontra, diz o evangelho, João é decapitado.
Esse símbolo lindíssimo precisa ser bem compreendido, pois ele não significa a morte de João. Ele nos ensina que a consciência joanina, representada pela cabeça de João, o núcleo da consciência humana, cede seu lugar de comando para a nova força, o princípio que se encontra em pleno crescimento em seu interior. Assim, o limite da consciência humana é superado pela união do universal e do humano, do espírito e da alma. Surge uma consciência espiritual, uma consciência em que a força do universo flui, não mais apenas como um impulso, não mais apenas como uma força magnética que empurra adiante, ou uma compreensão intuitiva, mas como a força do espírito que se une organicamente à estrutura da consciência e começa o processo de transmutação.
Essa transmutação é representada, dentre muitos símbolos, pelo caduceu de Hermes, que consiste em duas serpentes que se entrelaçam em torno de um bastão central, com um grande círculo alado em cima, e com um círculo na base, onde tudo se apoia.
Esse é o símbolo da Árvore da Vida e da nova consciência no ser humano, porque representa a nossa coluna e todos os centros energéticos que existem ao longo dela, além dos sistemas simpático e parassimpático. Quando ocorre o renascimento da consciência, ela se torna, novamente, a árvore da vida. É por isso que a nova consciência é associada ao símbolo (não à figura histórica) de Jesus, que representa a consciência universal divina em João, e a Osíris, que é a consciência de Ramsés, só que já tendo transcendido os limites da manifestação humana. Eis o motivo de a figura representar o próprio Ramsés na forma de Osíris.
Isso nos leva à quarta e última fase alquímica.
Cristo e Hórus: o novo ser humano
Depois do nigredo, onde é plantada uma semente em Herodes ou Ptha; do albedo, onde ocorre o despertar da consciência e se alcança o limiar da consciência humana em João ou Ramsés; e da cauda de pavão, onde se constrói a ponte entre o divino e o humano com Jesus ou Osíris; temos a última fase da alquimia, que é justamente o símbolo de Cristo ou de Hórus, o símbolo da plenitude, do renascimento: é o rubedo , onde o ouro do espírito se une indissoluvelmente à forma, ao sangue humano, simbolicamente falando.
Herodes | João | Jesus | Cristo |
Ptha | Ramsés | Osiris | Hórus |
Despertar da Consciência (semente) | O Limite: Consciência plenamente humana | Consciência espiritual | Novo ser humano: espírito, consciência e corpo |
Esse novo caduceu de Hermes, essa nova consciência, transmuta, necessariamente, todas as vestes da alma: o que pensamos, o que sentimos, o que percebemos e o que fazemos. Mas essa transmutação vai além do plano da consciência e toca também o corpo mental, que é a verdadeira veste dos nossos pensamentos e o veículo de manifestação do pensamento; o corpo astral, que é o corpo da energia emocional individual do ser humano; o corpo etérico, responsável por toda energia vital que nos anima; e também o corpo material, a base física do Espírito.
Esta é a razão de se falar no cristianismo de “renascimento do ser humano”. Ele ocorre a partir da união com o novo princípio, que transmuta seus três aspectos: espírito, alma (ou consciência) e corpo, representados nos evangelhos pelo intervalo de três dias entre a morte e a ressurreição de Cristo.
Então, todo o simbolismo do cristianismo, bem como de todas as tradições do ensinamento universal, apontam para a mesma possibilidade, o mesmo caminho interior de transmutação, que simbolicamente começa com a celebração do Natal, a semente da luz tornando-se ativa nos corações da Terra e do ser humano. Tal semente deverá germinar, crescer, florescer e se transformar em um novo fruto unido ao próprio ser humano.
Esse caminho, como dissemos, é o caminho do ontem, do hoje e do futuro, porque ele trata da realidade interior que sempre se manifesta e sempre se manifestará no ser humano. A realização desse caminho, e não somente o conhecimento dele, é o objetivo de todas as escolas espirituais do passado, e também da escola espiritual que se manifesta no presente, a Rosacruz Áurea.
Esperamos que essa trilogia de textos tenha trazido elementos de uma reflexão interior que nos coloque diante do verdadeiro objetivo da nossa existência: o nascimento da luz dentro de cada um de nós, o nosso Natal.