Karma e libertação

Os pensadores frequentemente estiveram divididos entre liberdade e necessidade. Como pensar que se é ao mesmo tempo dependente das leis naturais e responsável por seus atos?

Karma e libertação

Um dos vocábulos comumente utilizados nas literaturas esotéricas atuais é a palavra “karma”, popularizada na linguagem cotidiana, onde suplantou a palavra “destino”. Ela mesma, durante muito tempo, serviu de explicação e mesmo de justificativa às ações tomadas e aos acontecimentos vivenciados pelos indivíduos e pela humanidade.

Assim, ao invés de dizer “foi o destino que quis”, tornou-se tendência dizer “é o seu karma”.

Ao que remete realmente esse modismo que parece nos colocar em uma trama existencial de ações e reações mecânicas? Mas, acima de tudo, que haveria de libertador nessa visão predeterminada e o que dizer do livre-arbítrio?

 

Derivada do sânscrito, a palavra karma significa “ação em todas as suas formas”, mas também a consequência dos atos, a resultante das consequências boas e más a serem sofridas devido a atos do passado e que determinam as encarnações sucessivas.

Nesse sentido, ela não faz somente alusão à retribuição das ações, mas à sua maturação. Segundo essa acepção, não haveria intervenção divina no desenrolar dos acontecimentos, mas um amadurecimento natural das ações nas suas consequências. Diante disso, a humanidade busca constantemente melhorar seu karma, analisando suas ações, praticando bons atos, a fim de sair definitivamente do círculo de mortes e renascimentos (samsara) e alcançar a libertação final chamada de Moksha ou Nirvana.

Para a mística hindu, como para outras correntes ocultas, existiria uma espécie de fatalismo na medida em que “o que tiver que vir, virá”, pouco importam as aspirações, os esforços, preces e atos do homem.

A lei do karma surge, assim, como a lei mais poderosa do universo, regulando, fustigando, punindo e recompensando as boas e as más ações. É nesse nível de determinismo que reside a complexidade de uma percepção kármica relativamente alienante da existência humana. Qual seria de fato a margem de manobra dos seres humanos num determinismo feito de leis inalienáveis e incorruptíveis? Se tudo parece escrito com antecedência, se o ser humano não é senão o simples executor de uma estrutura existencial assim condicionada, o que lhe restaria fazer para encontrar a sua salvação?

Isso parece ainda mais contraditório quando lemos na linguagem sagrada Jesus respondendo ao centurião: “Será feito a ti conforme tua fé” (Mt 8:13). Essa dispensação crística também estaria em harmonia com a ideia do livre-arbítrio, na qual o indivíduo deve escolher seu caminho e definir seu tempo, suas ferramentas e seus métodos.

Na realidade, os pensadores metafísicos frequentemente estiveram divididos entre a liberdade e a necessidade. Como pensar que se é ao mesmo tempo dependente das leis naturais e responsável por seus atos?

 

Vários futuros são possíveis?

Se praticamente houver unanimidade sobre o condicionamento do momento, sobre o local de nascimento, sobre a importância da família que nos acolhe, os debates voltam-se mais para assumir o controle de sua vivência, de suas experiências, ações, conquistas e frustrações.

Para os cabalistas modernos, o termo “karma” designa uma série de provas que alguém escolhe para si mesmo antes do nascimento, sendo o objetivo da vida passar por essas provas, e o restante, parte do livre-arbítrio, podendo ser vivenciado como o indivíduo desejar.

De acordo com as abordagens teosóficas e antroposóficas, o karma refere-se à lei de retribuição ou lei de causa e efeito.

A crença de que o indivíduo pode, a todo momento, realizar atos que modificarão o curso de seu destino, tem ganhado terreno.

Essa possibilidade de “criar seu destino” a cada instante da vida parece interessar mais aos pesquisadores modernos. De fato, entre as numerosas ofertas de desenvolvimento pessoal, eles são convidados a explorar os confins de sua personalidade, nos aspectos conscientes, inconscientes e subconscientes, para serem mestres de seu destino, ou ainda para expandir sua consciência e adquirir maior domínio sobre si mesmos.

A filosofia transfigurística parece também orientar para um programa de auto-franco-maçonaria baseado no conhecimento do átomo centelha do espírito, cujo despertar renova tanto os aspectos internos como os externos do microcosmo, e que deve tomar as rédeas de nossa vida.

Ora, que livre construção seria concebível se não existisse a possibilidade de escapar ao determinismo kármico?

Supondo que a própria salvação esteja planejada com antecedência e que seria suficiente para ativar o seu “karma positivo”, isso resultaria em alguns serem dotados da possibilidade de escapar, e outros de serem imediatamente condenados pelo seu pesado karma. Essa visão parece não apenas incomum, mas indefensável e insuportável para uma consciência preocupada com o destino da humanidade sofredora.

Muitas possibilidades parecem se apresentar diante da consciência individual e coletiva, e a cada instante de nossa vida haveria uma escolha a fazer. Em tal percepção, qualquer ideia, qualquer desejo, qualquer ato que o ser humano realiza, individual e coletivamente, atualiza a trama de seu destino, que não será um caminho linear, mas uma teia complexa de caminhos virtuais, sendo possível a cada ser modificar o curso de sua vida e a dos outros.

Enquanto permanece no plano horizontal da vida terrestre, o ser humano está sob a égide do destino que o conduz e o maltrata, mas assim que ele se liberta dessa dependência fatal, tudo que ele vive acontece para sua elevação e a dos seus familiares.

A Fraternidade Universal traz a este mundo um remédio, a Lei do Amor, à qual todo ser humano pode se religar e, assim, escapar da prisão kármica natural.

Tentar por si mesmo apaziguar seu karma mediante “boas ações” poderia suavizar suas penas e permitir viver uma vida aceitável no plano natural, mas não ofereceria um resultado libertador durável. Para se tornar digno de receber esse dom divino, trazido pelos “Irmãos Maiores”, o candidato aos mistérios divinos, que até então esteve sob o domínio kármico da alma natural, deve despertar sua alma divina, construir para ela uma veste de luz graças à qual ela escapará de Nêmesis, a deusa de olhos vendados que simboliza o karma.

Pela qualidade da alma, tudo mudará; ele entrará em um círculo de vida virtuoso, evoluindo de magnificência em magnificência. O que não significa forçosamente que já não enfrentará obstáculos e dificuldades inerentes à vida na matéria.

Com um “novo” olhar, ele verá as circunstâncias e acontecimentos de sua vida transformados em “aceleradores de consciência” que, mais tarde, serão elevados ao estado paradoxal de “pedra de construção” para a sua libertação e da humanidade.

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Informação sobre o artigo

Data da publicação: março 13, 2018
Autor: Jacques ETOUNDI ATEBA (Cameroun)
Foto: Pixabay CC0

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