No primeiro texto desta série sobre o Natal e a Espiritualidade (O segredo da alquimia interior), abordamos o tema dos símbolos cristãos em sua relação com as festas cristãs e com as fases da alquimia.
Dando continuidade àquelas reflexões, faremos um paralelo entre o ensinamento cristão e uma de suas principais fontes, a tradição egípcia. Isto porque o cristianismo, tendo nascido do povo hebreu, herdou também o que este já havia assimilado dos egípcios. E essa herança não se restringe aos elementos da tradição exterior, mas comporta, principalmente, os princípios da sabedoria interior do povo egípcio.
As quatro fases de transformação na sabedoria egípcia e cristã
Na narrativa interior do cristianismo que encontramos nos evangelhos, existem quatro personagens especialmente importantes: Herodes, João Batista, Jesus e o Cristo. Essas personagens são diferentes aspectos da mesma consciência, da mesma vida humana, ou seja, são diferentes fases em que a consciência humana se manifesta. E através da manifestação da consciência humana, um estado de vida ganha forma.
Representações desses quatro símbolos também podem ser vistas em um dos lugares mais magníficos de todo o Egito: o Templo de Abu Simbel. Em sua última parede, ou seja, no aspecto mais interior, que representa o arquétipo mais profundo do ser humano, há quatro figuras sentadas, uma ao lado da outra. São elas:
- Ptha – deus da Escuridão.
- Ramsés – a nova consciência que começa a nascer no ser humano.
- Ramsés na forma de Osíris, o deus egípcio – a consciência humana já unida ao princípio universal, simbolicamente, a divindade que se encontra dentro dela.
- Hórus, o deus Falcão – o espírito manifestado na consciência do ser humano.
Com o paralelo existente entre essas quatro figuras egípcias e as quatro personagens do evangelho, citadas acima, vemos que também na sabedoria egípcia pode-se falar em nigredo, albedo, cauda de pavão e rubedo (as quatro fases da alquimia). Nela, também encontramos os significados do Natal, da Páscoa, do Pentecostes e da Manisola. Constatamos, enfim, a representação de um processo que se inicia com o surgimento de uma semente na consciência, se desdobra com a germinação e crescimento dessa semente, e se consolida com a sua frutificação.
A natureza e a sabedoria universal dão testemunho da realidade mais interior do ser humano.
Herodes e Ptha: o despertar da consciência
O que define a nós mesmos?
Aquilo que chamamos de eu é indefinível, porque não é nosso nome, não é o lugar onde nascemos, não é nossa profissão, não são nossos gostos particulares, ou seja, nada do que usamos para tentar definir a nós mesmos, define a nós mesmos. O eu é essa consciência que sempre existiu, sempre se manifesta e é indefinível. No estágio onde nos encontramos agora, parecemos muito com Herodes, ou com Ptha, porque quando a consciência humana acredita que o seu centro, seu eu, são os seus pensamentos, seus gostos, seus desejos, seus condicionamentos e tudo o mais, ela vive uma falsa identidade, vive um eu colado a esses véus.
Contudo, além dessa identidade ilusória, existe um princípio muito mais profundo, que é o mesmo em todos nós. Ele é a essência da consciência de si. É a semente que se encontra dormindo profundamente no inverno da nossa consciência e que precisa ser tocada, para que se torne novamente ativa.
Quando o toque acontece, ouvimos um chamado, uma voz, como se fosse uma força eletromagnética que mexe na bússola da nossa consciência e faz com que essa bússola, que funcionava tranquilamente com seu norte e sul, seus gostos e desgostos, entre em convulsão. Em termos simbólicos, dentro de Herodes, que é o rei-Eu desta natureza, desperta um princípio diferente. Na linguagem do evangelho, é uma nova criança que nasce, e que Herodes busca desesperadamente saber onde está, como é, por que veio. Isso porque a primeira reação do nosso eu, quando essa semente se torna ativa, é tentar retomar o controle da vida: a ordem, aquilo que lhe agrada, aquilo que lhe desagrada, a lógica do eu. Porém, como dissemos no primeiro texto desta série, a partir do momento em que a semente da luz se torna ativa, a lógica do eu nunca mais vai funcionar do mesmo jeito, e o ser humano necessariamente se torna um buscador.
Aqui, o paralelo entre Herodes e Ptha é significativo. Ptha é o deus da escuridão, não no sentido pejorativo, mas no de que representa um estado de consciência que a luz não consegue iluminar diretamente. Existe um princípio de luz que se tornou ativo, mas ele ainda é invisível. É por isso que no templo de Abu Simbel, por exemplo, a quarta estátua, a de Ptha, nunca é iluminada pela luz do sol, mesmo nos solstícios, e isso foi planejado para que fosse assim, pois as outras três são.
João Batista e o limite da consciência humana
O despertar da consciência que marca o primeiro estágio evolui e, se a consciência de fato der ouvidos a essa voz e parar de insistir na sua velha lógica egocêntrica, ela começa um caminho de busca que gera uma primeira transformação. Então, temos o surgimento de uma nova consciência, que ainda não é a consciência espiritual, e que poderíamos denominar “consciência plenamente humana”. Simultaneamente, ocorre o germinar da semente e ela passa a ser o motor principal da vida dessa consciência.
É por isso que no simbolismo interior do cristianismo, esse segundo estágio é associado à figura de João, o Batista. João significa a consciência humana, e Batista, porque ele anuncia algo que vem, e diz claramente:
Não sou eu, mas aquele que vem depois de mim.
Ele sabe interiormente que não é a mera transformação inicial da sua consciência-Eu que deve ser o produto final, e por isso ele anuncia que algo muito maior tem que se manifestar dentro dele. E essa transformação o leva até um limite.
Os cristãos associaram esse limite com o rio Jordão, que é orientado de Norte a Sul. João se encontrava na margem oeste e olhava para margem leste, onde nasce o sol, e de onde simbolicamente vem a luz do sol ou a nova luz dentro do próprio ser humano.
Mas esse limite da consciência já foi indicado no passado como o rio Nilo, no Egito; como o Mar Vermelho, para os Hebreus; como o oceano Atlântico, na Idade Média, para onde as pessoas faziam uma peregrinação até Santiago de Compostela, indo até Finisterre (o fim da terra, o fim de tudo). E a própria busca do ouro que se deu nas Américas associa-se em grande medida à travessia do continente e à chegada no grande mar, o oceano Pacífico, pode ser também, em termos modernos, a indicação desse limite.
Então, a nova consciência, que ainda é a consciência humana, mas na qual a semente, o princípio universal germinou e já gerou uma grande transformação, precisa chegar ao seu limite.
E o que ela encontra quando atinge esse limite?
Ela encontra a si mesma.
Referências: Para mais sobre a travessia do continente americano e a busca pelo Grande Mar, ver Peabiru, do coração ao oceano.
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