Infinitos contáveis e incontáveis

Infinitos contáveis e incontáveis

Quando a parte – que somos nós – depara-se com o Todo, descobre sua origem e destino; o tempo transforma-se em eternidade e o espaço em infinito.

Seria possível traçar um paralelo entre a matemática e a espiritualidade? Existe algum denominador comum que permita essa comparação?

A matemática é uma ciência que se baseia no método racional; a espiritualidade tem seus alicerces na fé e na intuição. A matemática é objetiva e a espiritualidade é subjetiva.

O método científico requer experimentação que permita a coleta de dados com precisão, de forma a obter a reprodutibilidade dos experimentos por diferentes pesquisadores [1]. Na espiritualidade, as experiências são interiores e não é possível garantir sua repetição ou a comparação com outras pessoas.

A linguagem das ciências exatas é clara, rigorosa e precisa; na espiritualidade, as experiências não podem ser verbalizadas: são incomunicáveis.

O conhecimento científico é contingente, estabelecendo que a veracidade ou a falsidade podem ser conhecidas pela experiência. Na espiritualidade a única e universal Verdade é inerente à Divindade, sendo imprecisa a linha demarcatória entre o verdadeiro e o falso na realidade transitória em que vivem os seres humanos.

A ciência é preditiva: estabelece leis, teorias e modelos que permitem previsões. A espiritualidade é surpreendente, desconcertante e imprevisível.

Em suma: o conhecimento científico é verificável e tudo o que não pode ser comprovado não pertence ao âmbito da ciência – o que automaticamente excluiria a possibilidade de qualquer comparação com a espiritualidade.

No entanto, o primeiro teorema da incompletude, do matemático Gödel, nos diz, em resumo, que na aritmética existem verdades absolutas que não podem ser demonstradas [2]:

“Qualquer teoria efetivamente gerada capaz de expressar a aritmética elementar não pode ser tanto consistente quanto completa. Em particular, para qualquer teoria formal consistente e efetivamente gerada que prova certa verdade da aritmética básica, existe uma afirmação aritmética que é verdade, mas não demonstrável na teoria.”

Por outro lado, é atribuída a Hermes Trismegisto – o três vezes grande – , uma explicação geométrica para o conceito da Divindade [3]:

“Deus é uma esfera infinita cujo centro está em todo lugar e cuja circunferência está em lugar nenhum.”

O infinito é um conceito que interessa à matemática e à espiritualidade, para o qual propomos algumas reflexões despretensiosas, visto tratar-se de tema de grande complexidade.

O conceito de infinito interessou a Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor, um matemático alemão do século XIX que trabalhou no sentido de facilitar sua compreensão. Cantor afirmava que não existe apenas um “infinito”, mas sim diversos “infinitos”, incluindo o absoluto entendido como Deus (essa teoria recebeu a oposição da igreja, por considerar que ela desafiava a infinitude única de Deus):

“O infinito sempre surge em três contextos: primeiro quando ele se apresenta em sua forma mais completa, em uma entidade sobrenatural completamente independente, in Deo, a qual denomino de Infinito absoluto ou simplesmente de Absoluto; segundo, quando ele ocorre no eventual, no mundo criado; terceiro, quando a mente o entende em abstracto como uma magnitude matemática, número ou tipo ordenação.” [4]

Cantor ficou famoso pelo desenvolvimento da teoria dos conjuntos [5]. Um conjunto é uma coleção bem definida de objetos, chamados de elementos, que compartilham uma característica comum. Assim, as letras do alfabeto formam um conjunto, mas também a coleção de xícaras em sua cozinha, ou de meias em sua gaveta, são conjuntos com características claramente definidas.

Dentre seus diversos trabalhos, queremos mencionar a comparação que o célebre matemático realizou entre dois conjuntos: o de números inteiros naturais e o de números reais.

Os números inteiros naturais são 1, 2, 3, 4 e assim por diante, de forma que seu conjunto contém uma quantidade ilimitada de caracteres.

Os números reais são o conjunto de números racionais e irracionais, abrangendo números positivos, negativos, inteiros, frações, decimais e dízimas periódicas e não periódicas [5]. Para o estudo da infinitude desse conjunto, Cantor utilizou os números que existem entre 0 e 1, ou seja, todos começam com zero e vírgula, mas com uma característica especial: todos apresentam uma quantidade infindável de caracteres após a vírgula. Por exemplo, se dividirmos 1 por 3 temos uma dízima periódica que já tem infinitos números: 0,3333… No entanto, se dividirmos 1 por 2 temos 0,5, ou seja, um número finito de algarismos após a vírgula; neste caso, para participar do estudo de Cantor, é acrescentada uma infinidade de zeros após o último algarismo, que fica: 0,5000….

Esses dois conjuntos certamente são infinitos, mas será que têm o mesmo tamanho?

 

Cantor propôs um critério simples para comparar conjuntos, dizendo que eles são equivalentes se contiverem o mesmo número de elementos. Desenvolveu também o chamado “argumento diagonal”, disponível para aprofundamento em diversas fontes [5, 6].

Dessa forma, demonstrou que existem mais números no conjunto de números reais do que no de números inteiros naturais, que seriam, respectivamente, um infinito incontável e um infinito contável.

Não é curioso saber que há mais números entre 0 e 1 (infinito incontável) do que a soma de todos os números inteiros (infinito contável)?

O que representam esses números na linguagem esotérica?

Lemos no artigo de Benita Kleiberg [7], que versou sobre o número de Deus, as seguintes afirmações:

“Portanto, no misticismo judaico, o divino é descrito como o Ain Sof insondável, literalmente significando “sem fim”. Essa não existência espiritual do Ain Sof é a fonte da qual toda a vida surgiu. No misticismo judaico, essa vida é representada esquematicamente pelas dez Sephiroth da Árvore da Vida, que formam o plano de criação. Em outras palavras, podemos entender o divino Ain Sof como o número 0, um nada do qual tudo se originou.”

“Portanto, a mônada, o plano único da forma esférica, o número 1, é o símbolo por excelência da Divindade que se expressa em nosso mundo, como a primeira emanação.”

Podemos entender que o conjunto entre 0 e 1 representaria o Deus insondável e incognoscível e sua manifestação oculta, o que virá a ser quando se expressar como o número 1, a primeira emanação.

A criação divina, representada pelo conjunto de números naturais, é infinita e contável, englobando o universo e os corpos celestes, nosso planeta e todos os seres animados e inanimados que existem, os continentes e oceanos, as plantas, animais e seres humanos.   

O Deus oculto é Ain Sof, literalmente “sem fim”, um infinito incontável, do qual tudo se originou.

Ao lermos o oitavo livro do Corpus Hermeticum [8], podemos refletir que as coisas que não foram criadas e estão guardadas em silêncio seriam um infinito incontável. E as coisas que foram criadas e manifestadas, um infinito contável.

“Quem poderia louvar-te o bastante segundo o Teu valor? Para onde dirigirei os meus olhos para louvar-Te? Para cima, para baixo, para dentro ou para fora?

E por que deveria eu entoar-Te louvores? Pelo que criaste ou pelo que não criaste? Pelo que manifestaste ou pelo que conservas oculto? … Mesmo o que não existe, Tu és. És tudo o que veio a ser e tudo o que ainda não foi manifesto.”

 

Em seus trabalhos sobre a teoria dos conjuntos, Cantor chegou a conclusões surpreendentes, que assustaram parte da comunidade de matemáticos do século 19, e lhes renderam a crítica de seus colegas e antigos professores.

Por exemplo, ao verificar as propriedades de conjunto infinito (em comparação a conjuntos finitos), Cantor e seu amigo Richard Dedekind verificaram que: em um conjunto infinito, o todo pode ser igual a uma de suas partes [5]. Na espiritualidade, poderíamos entender essa afirmação como a expressão matemática da Onipresença divina, do ponto no centro da esfera infinita – que é Deus -, que está em todos os lugares. Este ponto também está no centro do ser humano, como a manifestação da Divindade, na forma de um átomo da centelha do Espírito; encontrar esse átomo em si é o mesmo que encontrar o Incognoscível e sua grandiosidade. Nesse instante, a parte – que somos nós -, depara-se com o Todo, descobre sua origem e destino; o tempo transforma-se em eternidade e o espaço em infinito.

Ao estudar os números que chamou de transfinitos, Cantor concluiu que o número de pontos em um segmento de reta com apenas 1 milímetro de comprimento é o mesmo que o número de pontos em todo o volume do universo! Isso nos leva a refletir que o verdadeiro caminho interior de libertação espiritual, desde a realidade transitória em que vivemos até a entrada nos campos infinitos da pura Verdade Universal, pode ser menor que 1 milímetro e, matematicamente, poderíamos percorrê-lo em um átimo de segundo.

Apesar de nos sentirmos limitados no espaço e no tempo, a espiritualidade nos diz, e a matemática sugere, que fazemos parte de um infinito contável, mas carregamos o imensurável no coração.

Mas somente quando a nossa mente analítica cede espaço para uma compreensão mais profunda, que brilha no âmago do nosso ser, nossa consciência pode perceber que os infinitos contáveis e incontáveis se espelham e se entrelaçam, em uma realidade de beleza assombrosa e indizível. Compreendemos que pertencemos a essa realidade e, com imensa gratidão, podemos ressoar o hino de louvor de Hermes nas seguintes palavras:

“E com que Te entoaria louvor? Como se algo me pertencesse, como se possuísse algo de próprio ou fosse outra coisa senão Tu! Porque Tu és tudo o que eu possa ser; és tudo o que eu possa fazer; tudo quanto eu possa dizer. Porque Tu és tudo, e nada há além de Ti!”

 

Referências

[1] LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1985.

[2] Mathematics. Disponível em: logic – Explanation of proof of Gödel’s Second Incompleteness Theorem – Mathematics Stack Exchange. Acesso em 2 ago. 2025.

[3] REEGEN, Jan G. Ter. LIBER VIGINTI QUATTUOR PHILOSOPHORUM – O LIVRO DOS VINTE E QUATRO FILÓSOFOS. Veritas (Porto Alegre), [S.L.], v. 47, n. 3, p. 441-452, 30 dez. 2002. EDIPUCRS. LIBER VIGINTI QUATTUOR PHILOSOPHORUM – O LIVRO DOS VINTE E QUATRO FILÓSOFOS | Veritas (Porto Alegre)

[4] Infinito absoluto. Disponível em: Infinito absoluto – Wikipédia, a enciclopédia livre. Acesso em 2 ago. 2025.

[5] UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (Brasil). George Cantor e os transfinitos. Seara da Ciência. Disponível em: George Cantor e os transfinitos – Seara da Ciência  Acesso em: 2 ago. 2025.

[6] BOUYER, Florian. O conceito de infinito e seu uso na matemática. 2022. UNESP para Jovens. Disponível em: Unesp Para Jovens | O conceito de infinito e seu uso na matemática. Acesso em: 2 ago. 2025.

[7] KLEIBERG, Benita. Deus como Número. LOGON, 28 fev. 2024. Categoria Ciência. Disponível em: Deus como Número – LOGON. Acesso em: 2 ago. 2025.

[8] VAN RIJCKENBORGH, Jan. A Arquignosis Egípcia: e o seu chamado no eterno presente. São Paulo: Improta Gráfica e Editora Ltda., 1986. (Tomo II)

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Informação sobre o artigo

Data da publicação: novembro 26, 2025
Autor: Group of LOGON authors (Brazil)
Foto: Photo by HeckiMG on Pixabay (CC0)

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