Há alguns anos, foi publicado um atlas diferente dos tradicionais. Ao invés de lugares, ele situa a imaginação, pensamentos e sentimentos em 23 mapas de experiências (1).
É o Atlas da Experiência Humana– Cartografia do Mundo Interior.
À primeira vista, parecem mapas comuns, com geografia, cidades, florestas, rios, mares, estradas, ferrovias, ruas, pontes e também construções importantes. Porém, ao explorarmos a cidade chamada Caos, por exemplo, encontramos o lago Águas Agitadas, uma Válvula de Escape situada no cume da Exasperação, Ervas Daninhas e Pânico Descontrolado na área Proliferação, a Torre de Babel, os territórios Miscelânia, Estrago, Confusão, Lixo, Cacos etc… É um retrato da experiência de caos que conhecemos bem.
Eu estava muito interessado na paz por causa do cenário de tantos conflitos no mundo e, por isso, tirei o livro da estante e procurei pela paz. Não achei.
Será que a paz não é uma experiência humana?
A Paz no Tao
A despeito de não encontrar um mapa da paz, há uma referência a ela no capítulo do Atlas que trata do Vácuo. A compreensão da paz como uma experiência que ultrapassa o comum está em um poema do Tao Te Ching. Eis o que diz:
Leve o vazio ao seu limite extremo,
Mantenha a paz no caminho.
As dez mil coisas lado a lado aparecem
E por meio disso eu as vejo retornar.
Cada qual retorna às suas origens.
A isso se chama paz.
Paz: isto significa retomar o seu destino.
Retomar o seu destino é ser eterno.
Conhecer a eternidade é ter sabedoria.
Não conhecer a eternidade é ser selvagem e imprudente.
Quando você é selvagem e imprudente, seus atos o levarão à ruína.
Ele orienta a levarmos “o vazio ao seu limite extremo” e a “manter a paz no caminho”. O vazio, aqui, é espaço aberto, receptividade total. É onde não há nada mais a tirar. É o estado interior em que cessam as distrações, os apegos e as turbulências. Nele é possível permanecer em paz sem esforço, como modo de estar em sintonia com o fluxo da vida.
É diferente de quando eu sou eu, você é você, e há um vácuo, um vazio entre nós. Aqui o espaço separa.
Na receptividade total somos ligados a tudo, não há conflito. Cada um existe no vazio de si mesmo e como relacionamento com os outros, com o planeta, com o todo.
Há multiplicidade na existência. Todos os seres, movimentos e transformações do mundo – as “dez mil coisas” que aparecem lado a lado – tudo faz parte de mim. Tudo faz parte de todos. E tudo retorna ao seu ponto de origem, apesar das diferenças.
O retorno – retomarmos nosso próprio destino, nos conectarmos com a eternidade – é o que se chama paz.
Ao conhecer essa eternidade, o ser humano age em harmonia, não contra o fluxo. Alinha-se ao Tao e encontra a sabedoria que preserva a vida.
Nesse sentido, paz é reconciliação com a vida. É a consciência de que cada coisa segue o seu curso e, ao final, retorna ao mesmo mistério do qual brotou. Paz, portanto, é aceitar esse ciclo, compreender que o destino de tudo é voltar ao Todo.
Nesse ensinamento, a paz é tanto experiência interior quanto lei universal. É serenidade pessoal e, ao mesmo tempo, princípio que sustenta todas as coisas
Mas, será que isso ainda está no limite de uma experiência humana?
Palavras da Paz
Em teste nada científico, um grupo de trabalho foi provocado a pensar quais são as palavras e termos que se relacionam com a paz. A proposta tocou profundamente os participantes. A resposta foi uma chuva de palavras que descrevem um lugar que ninguém experimentou, mas mora na intuição ou em uma memória coletiva. Criou-se um lugar em que todos queriam viver.
Não parece mero acaso que a paz não conste no Atlas da Experiência Humana. Esta falta insinua que a verdadeira paz dorme em um vazio cujo acesso é uma experiência supra-humana. O caminho da paz não é um mapa externo, mas interno, onde uma essência profunda nos aponta o norte verdadeiro.
Referência:
[1] Swaaij, Louise Van; KLARE, Jea; [tradução Celso de Campos Júnior e Isa Mara Landol]. Atlas da Experiência Humana – Cartografia do mundo interior.. São Paulo: Publifolha, 2004.
