Um novo olhar para si mesmo, para a humanidade e o mundo à sua volta
Pela perspectiva temporal, no grande filme de toda existência, a vida de cada indivíduo é apenas uma breve cena. Tudo é sempre renovado. A cada instante, nosso corpo muda, tudo ao nosso redor muda – e são mudanças que, na maioria das vezes, não percebemos de imediato.
Talvez você já tenha se perguntado: “Será que esse processo de constantes mudanças está me fazendo evoluir?” A resposta para essa pergunta é quase desconcertante: para evoluirmos realmente, precisamos perceber que há um abismo entre o estado humano natural e sua meta de transformação — o estado humano-divino. Afinal, olhando de cima, de fora do tempo, observamos que o ser humano é um pensamento divino, sem começo nem fim.
Porém, nosso estado humano natural é marcado pelo egocentrismo — e a condição egocêntrica é fechada em si mesma. Para evoluir de forma real, mais do que as mudanças externas advindas dos intermináveis ciclos naturais, precisamos observar nossos automatismos egocêntricos em um processo diário de autoconhecimento, até que eles se dissolvam aos poucos. Sem isso, apesar das aparentes mudanças, apenas repetiremos velhas cenas.
A despeito das constantes mudanças em tudo e em todos, algo em nós é permanente e nos dá a sensação de sermos os mesmos durante toda a vida. Talvez você já tenha se perguntado: “O que em mim é permanente?” A resposta pode surpreender: o núcleo da consciência – ou seja, a faculdade de perceber a si mesmo e o mundo ao redor – é algo que sempre está presente.
No entanto, há uma confusão comum a todos nós: frequentemente, tomamos como nossa identidade o produto de nossas faculdades criadoras naturais – e, com isso, deixamos de notar que aquilo que realmente nos identifica, e é permanente, é a própria faculdade de percepção e sua contraparte: um núcleo supra-humano em nosso coração.
E quais são essas faculdades naturais que dirigem nossas vidas cotidianas? Nosso pensar, querer, sentir, desejar, reagir e agir. Seus produtos — nossos pensamentos, intenções, sentimentos, desejos, ações e reações — passam a ser confundidos com quem somos. Dessa identificação nasce a falsa ideia de que a nossa identidade, que muda constantemente, é que determina todo o nosso estado de vida. Assim, perdemos o presente vivo e nos prendemos ao passado ou ao temer do futuro.
Por um momento, olhemos para nossa faculdade de percepção: quem ou o que a dirige? Se formos honestos, reconheceremos que ela está aprisionada aos produtos das faculdades internas criadoras (pensar, querer, sentir, desejar, reagir e agir), e não se deixa conduzir por seu polo universal, a centelha supra-humana que é nosso verdadeiro Eu.
Como mudar essa situação? Como permitir que a vontade supra-humana nos conduza, ao invés da velha vontade autocentrada? A resposta está em um processo de desconstrução e reconstrução. Precisamos mudar o núcleo de nossa consciência, dissolvendo pouco a pouco todos os nossos apegos centrados em nós mesmos. Em resumo:é necessário permitir que a nova consciência, límpida como uma superfície cristalina, receba livremente as influências cósmicas, sempre renovadas e transcendentes, do Espírito.
Afinal, apesar de muitos ainda desconhecerem, o ser humano carrega em si uma centelha do Espírito divino. Ativar esse núcleo, essa semente no coração, e pautar sua vida por ela, é o início de uma verdadeira evolução. Esse é o caminho da evolução que nos transforma de seres humanos naturais em seres realmente humanos-divinos.
Por isso podemos dizer, sem risco de engano: o primeiro passo desse caminho é reorientar nosso olhar, elevando nossos olhos para o Espírito. Toda a mudança virá a partir desse momento, mas não acontece em um piscar de olhos. Essa reorientação é cotidiana: é um processo que dura toda uma vida.
Se o processo dura a vida inteira, então cada instante é uma oportunidade. Não se trata de uma espera passiva, mas de um despertar ativo — um convite a estar presente, a observar-se sem ilusões e a agir a partir do que é verdadeiro. No silêncio entre um pensamento e outro, na pausa entre uma ação e a próxima, lá está ela: a centelha. Paciente. Chamando. Cabe a nós ouvir.
A jornada da consciência não é uma linha reta, mas uma espiral: revisitamos os mesmos desafios, porém em níveis cada vez mais profundos. O que antes era apenas um vislumbre do divino em nós pode, com persistência e entrega, tornar-se o centro gravitacional de nossa existência.
Não há “chegada”, mas há transformação. E nela, o paradoxo: ao nos esvaziarmos do que é transitório, encontramos o que permanece; ao nos perdermos do falso eu, reencontramos nossa essência. No fim — que não é um fim, mas um recomeço — restará apenas o essencial: o olhar da consciência, límpido e livre, refletindo a luz que nunca se apaga.